Texto em Foco: “Quando vieres em teu Reino” – Uma análise textual de Lucas 23:42.

O perdão do Ladrão penitente, por James Tissot (1836-1902)

Um dos momentos mais conhecidos nos relatos da Paixão de Cristo é a oração do ladrão arrependido, também comumente conhecida como a oração do ladrão na cruz, onde um dos ladrões (uma plavra mais adequada seria “salteador”) que estava ao lado do Senhor Jesus faz uma declaração de fé e petição, a qual o Senhor Jesus prontamente responde: ” Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso”, declaração essa que tem ressoado no decorrer da história na vida de milhares de pessoas que encontraram a Cristo quase no último sopro que lhes restavam.

Ao fazermos uma análise do trecho do evangelho de Lucas, capítulo 23:42, constata-se é a forma como a declaração do condenado foi impressa em várias versões bíblicas. Versões tradicionais, como a Almeida Revista e Corrigida (ARC), Almeida Corrigida Fiel (ACF), a King James Version(KJV) e New King James Version (NKJV), juntamente com versões modernas como a New International Version (NIV – 2011) traduzem a oração do ladrão na cruz da seguinte maneira: “Lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino” , enquanto que outras versões como a Almeida Revista e Atualizada (ARA), Reina-Valera (RV -1909) e New American Standard Version (NASB) traduzem essencialmente o texto da seguinte forma: “Lembra-te de mim quando vieres em teu Reino”. A diferença na tradução aqui não é meramente uma questão de escolher a melhor palavra para traduzir o texto grego original, mas se trata de escolher duas variantes distintas.

Ao analisarmos a manuscritologia bíblica, percebe-se que há duas variantes neste versículo. Partindo pelo levantamento feito por William Pickering, a divisão é a que segue:

Μνήσθητί μου, Κύριε, όταν έλθης εν τη βασιλεία σου. ( Lembra-te de mim, Senhor, quando vieres em teu Reino) – está presente em 99,5% dos manuscritos gregos e a leitura padrão no Textus Receptus, no Texto Patriarcal de 1904, na Poliglota Complutense, no Texto Majoritário de Hodges-Farstad e no Texto Bizantino de Maurice Robinson e William Pierpoint.

Εις την βασιλείαν (quando entrares em teu Reino) – é uma leitura com pouca atestação em grego, todavia, os manuscritos que a contém são um dos mais apreciados pelos críticos textuais da atualidade: O Papiro 75 (P75) e no Vaticanus (B) e também a a leitura majoritária nos manuscritos latinos da Vulgata. Devido a atestação nesses dois manuscritos gregos, algumas notáveis traduções modernas mantém a leitura encontrada na ARC e ACF, que, de acordo com Hills (1956) está também presente em todas as traduções inglesas originadas da Reforma Protestante.

Ao analisarmos o texto grego, se deduz que a origem de uma dessas variantes se tratou de um erro não intencional no processo de cópia, haja vista a semelhança de fraseologia entre as duas. Em termos de interpretação, ambas as variantes são possíveis. Entretanto, a leitura majoritária e padrão encontada no texto grego leva grande vantagem , não somente pela esmagadora evidência textual, mas também pelo próprio tema do Reino de Deus.

A “teologia do Reino” está presente de maneira notável nos evangelhos sinópticos, sendo que logo no início do Evangelho de Mateus, Jesus afirma que o Reino “está próximo” (podendo inclusive ser traduzido como “é chegado”). Com Jesus, o Reino de Deus é revelado e exposto, pois ele é O Messias prometido, o Rei de Israel.

E aqui, faz-se notável a confissão do Ladrão na cruz. Como dito anteriormente, não se deve entender “ladrão” aqui como um criminoso qualquer, mas um “salteador”, alguém que taçvez estivesse envolvido em um tipo de sedição conta Roma, mas o fato é que esse homem certamente é Judeu e vivia na expectativa da aparição do Reino. O fato do homem se dirigir a Jesus como “Senhor” não se trata de uma variante errada de um copista (como muitos criticos textuais afirmam) ou um mero embelezamento teológico de Lucas colocado na boca do ladrão. Na verdade, ali, na cruz, o ladrão reconhece Jesus como o Messias e Rei e, mesmo não tendo talvez uma compreensão tão refinada acerca da profundidade de chamar Jesus de Senhor, demonstra uma genuína fé e reconhece que Jesus traria, em definitivo, esse reino na Terra!

Neste período onde historicamente a igreja celebra a páscoa Cristã, é digno de nota atentarmos para a oração do ladrão na cruz. Ele almejava pelo Reino de Deus. Essa oração está sendo cumprida. Cristo ressuscitou dentre os mortos e há de vir novamente para julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu Reino, sendo que espirtualmente, todo o crente já experimenta espiritualmente a presença desse Reino pelo Espírito. Que o nosso clamor seja “Venha o teu Reino”, pois do Senhor é “O Reino, o poder e a glória para sempre”. Amém

Cristo está vivo!

Soli Deo Gloria

Texto em Foco: Atos 8.37, manuscritologia e a prática batismal na Igreja Primitiva.

Cuyp, Aelbert, 1620-1691; Saint Philip Baptising the Ethiopian Eunuch
Imagem: São Filipe batizando o eunuco etíope, por Aelbert Cuyp.

Uma das questões que mais dividem os cristãos protestantes evangélicos desde a época da Reforma e em certo sentido até mesmo dos cristãos desde os primórdios da igreja é a questão do batismo. Quem deve ser batizado? Quais são os requisitos para o batismo? qual a idade apropriada para um indivíduo? Todas essas questões foram e são debatidas por teólogos cristãos, desde Tertuliano e Agostinho na era patrística, passando por Martinho Lutero, João Calvino e Balthasar Hubmaier durante a época da Reforma e  por nomes como Albert Mohler e Joel Beeke nos dias de hoje. De um lado temos os crentes que defendem o chamado pedobatismo, ou seja, o batismo infantil ou batismo de bebês como uma prática adequada dentro da Nova Aliança. Essa visão é abraçada por Luteranos, presbiterianos, congregacionais e anglicanos conservadores. Por outro lado, temos a perspectiva credobatista, ou seja, o batismo deve ser realizado somente em indivíduos que já professaram a fé em Jesus Cristo, comumente como jovens adultos responsáveis ou pelo menos por cerca dos 12 anos de idade. Essa visão é abraçada por grupos como os anabaptistas, batistas (reformados ou arminianos), pentecostais e outras denominações derivadas destes grupos. Ambos os grupos possuem teólogos de peso, ambos também buscam sustentar suas posições a partir das declarações bíblicas acerca do batismo. Mas o que isso tem necessariamente haver com manuscritologia ou crítica textual? É aqui que Atos 8.37 entra no debate.

O verso em questão tem sido usado como texto-prova por credobatistas para sustentar que a prática do batismo deve ser realizado unicamente em pessoas que já professaram a fé em Cristo.  No contexto do capítulo 8, o diácono/evangelista Felipe e levado, pelo Espírito Santo, a encontrar-se com um eunuco etíope que estava voltando da festa de pentecostes, no caminho deserto de Jerusalém até Gaza (vrs. 26). Ao encontrar com o Etíope, Felipe nota que ele está lendo o livro do profeta Isaías, mais especificamente na parte onde hoje chamamos de capítulo 53. Felipe, então, faz a pergunta atemporal que ecoa pelos séculos: “Entendes tu o que lês?” (vrs 30), a resposta do Etíope é igualmente pungente: “Como poderei entender, se alguém não me ensinar” (vrs 31), a Bíblia então diz que Felipe, começando por aquela passagem “lhe anunciou Jesus” (vrs 35). Após o poderoso anúncio de Felipe, o Etíope pergunta o que o impediria de ser batizado, então é que o texto de Atos 8.37 entra em cena:

“E disse Felipe: É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse, Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus.” (ARC).

O versículo parece defender, junto com outros elementos do capítulo (o fato de Felipe e o Eunuco “descerem” à água no versículo seguinte), que o requisito fundamental para o batismo é a crença que Jesus é o Filho de Deus, dando suporte, assim, à prática credobatista.

Mas é aqui que as dificuldades aparecem. O texto em questão não é encontrado nos manuscritos gregos mais antigos da Bíblia, nem tampouco é encontrado na maioria dos manuscritos  gregos de Atos que contém a passagem. Ele não está presente nas edições  contemporâneas do Novo Testamento dentro da perspectiva crítica (NA27-8), nem tampouco nas edições do Texto Majoritário de Hodges-Farstad, Wilbur Pickering e Robinson-Pierpont[1]; estando presente, todavia, em alguns manuscritos gregos, nas edições do Textus Receptus, bem como nos manuscritos latinos que compõem a Vulgata. Muitos pedobatistas utilizam esse expediente para rejeitar o uso desse texto para sistematizar a doutrina do batismo, muitas vezes até mesmo negando a autenticidade do versículo em questão. Mas seria esse mesmo o caso? Há questões importantes para analisarmos antes de emitir uma opinião tão contundente. Vejamos:

a) O texto tem boa atestação manuscritológica: Ainda que minoritária (cerca de 15% dos manuscritos gregos do livro de Atos, segundo registrado por James Snapp), há bons manuscritos gregos que incluem o versículo, dentre os quais se destaca o manuscrito E, do 6° século, assim como  manuscritos do latim antigo possuem o verso em questão, como o manuscrito r, do 7°-8° século, bem como os vários manuscritos da Vulgata latina.

b) O texto em Atos tem forte atestação patrística: Dois importantes Pais da Igreja citam o versículo em questão: Irineu de Lião e Cipriano de Cartago. Em sua obra Contra as Heresias, escrita no 2° século, Irineu mostra conhecimento do verso em questão:

“Ainda, de quem falou Filipe, sozinho, ao eunuco da rainha da Etiópia, que, voltando sozinho de Jerusalém, lia o profeta Isaías? […] [Felipe] demonstrou-lhe que aquele que era Jesus no qual se cumprira a Escritura, como dizia ao eunuco ao crer e pedir logo o batismo: “creio que Jesus é o Filho de Deus“.[2]

Outro Pai da Igreja, Cipriano de Cartago, em sua obra Tratados de Cipriano (Tratado 12, livro 3.43), afirma: “Nos Atos dos Apóstolos: “Eis aqui a água; o que há que me impede de ser batizado? Então disse Filipe: Se você acredita com todo o seu coração, pode.”[3]

Tanto os testemunhos de Irineu e Cipriano são importes por dois motivos: ambos os escritores possuem traços culturais distintos. Irineu, no segundo século, é um pai da igreja de fala grega, já Cipriano é um pai da igreja de fala latina do terceiro século. Ambos precedem os manuscritos mais antigos da Bíblia (Sinaiticus e Vaticanus, 3°/4° séculos), o que manifesta a antiguidade do verso, assim como mostra que a passagem era bem conhecida dos pais da igreja.  A frase, em si, também preenche perfeitamente a pergunta do etíope a Filipe. Mas, caso o verso seja autêntico, como se explica a omissão na grande maioria dos manuscritos gregos? Talvez a resposta se encontre quando olhamos a história da igreja e a prática do batismo.

  • A prática do batismo na igreja primitiva:

A prática do batismo sempre esteve presente na igreja primitiva,  mas logo no segundo século haviam certas variantes no modo do batismo e o momento certo para ele.  Um dos documentos catequéticos mais antigos da igreja, o Didaquê, faz a seguinte afirmação acerca do batismo:

Quanto aos batismo, procedam assim: Depois ditas todas essas coisas, batizem em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Se você não tem água corrente, batize em outra água; se não puder batizar em água fria, faça-o em água quente. Na falta de uma ou outra, derrame três vezes água sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. (Didaquê 7.1-3).

Outro documento que recebeu grande status dentro da igreja primitiva, quase chegando a entrar no Novo Testamento, foi O Pastor de Hermas. Nele, um escravo cristão liberto chamado Hermas recebe visões e profecias  de um “anjo da penitência” com o intuito de exortar a igreja a levar uma vida de ética e boa moralidade. Em um dos trechos da obra, quando Hermas está interrogando o anjo, surge a pergunta acerca do batismo:

Ouvi alguns doutores dizerem que não há outra conversão além daquela do dia que descemos à água e recebemos o perdão dos pecados anteriores. Ele[o anjo] me respondeu: Ouviste bem. é assim mesmo. Aquele que recebeu o perdão de seus pecados não deveria mais pecar, e sim permanecer na pureza.[…]Todavia, eu te digo: se, depois desse chamado importante e solene, alguém, seduzido pelo diabo, cometer pecado, ele dispõe de uma só penitência; contudo, se peca repetidamente, ainda que se arrependa, a penitência será inútil para tal homem, pois dificilmente viverá”[4] (Hermas 31.1-2/6).

O impacto dessas declarações em Hermas, parecem sugerir que só haveria a possibilidade de um só arrependimento por algum ato pecaminoso cometido após o ato batismal, fez muitos cristãos adiarem a data de seu batismo justamente para não incorrer em tal condenação. Como Hermas era tido em alta conta pela igreja antiga, pode-se perceber que um texto como o de Atos 8.37, que vai contra essas declarações, possa ter sido visto como espúrio por parte da igreja, ou simplesmente foi cada vez mais evitado e negligenciado.  J. A. Alexander (1857), citado por Edward F. Hills, afirma que o versículo foi omitido por muitos escribas pois “não era amistoso com a prática de postergar o batismo, que tinha se tornado comum, senão prevalente, antes do fim do terceiro século”[5]. Tudo isso fortalece a autenticidade de Atos 8.37 como um texto bíblico legítimo[6].

Conclusão

Diante dos fatos apresentados,  levando a antiguidade do versículo, o conhecimento e uso dos Pais da igreja grega e latina, bem como poucos, mas importantes testemunhos gregos e muitos manuscritos do latim antigo e da Vulgata possuírem o verso e por fim, dentro da perspectiva da doutrina da preservação das Escrituras, não há motivo para a omissão do verso dentro das versões bíblicas, bem como do debate ainda atual entre credobatistas e pedobatistas. Debate esse que Atos 8.37 pode muito contribuir.

 Soli Deo gloria

Notas:

1. Na visão de Pickering, como ele mesmo registra na nota de rodapé de sua edição do texto grego, o verso em questão traz uma fala real, pois como Filipe morava em Cesaréia, Pickering especula que ele contou a história inúmeras vezes à igreja, porém a fala e a confissão de fé do Eunuco etíope não foram divinamente registradas no livro de Atos, mas sim um acréscimo posterior. Além de altamente especulativa, o raciocínio  do dr. Pickering é semelhante aos argumentos naturalistas que negam a Pericope Adulterae (a passagem da mulher em João 7:53-8:1-11) como texto original, mas afirmam que registram um fato real. Além de isso causar certo problemas práticos no que tange à pregação e o ensino, ele fere a doutrina da preservação das Escrituras e despreza outras evidências que autenticam Atos 8:37 como texto divinamente inspirado.

2.LIÃO, Irineu. Contra as Heresias. Tr. Lourenço Costa.São Paulo: Paulus, 2012.p.296.

3. Essa citação de Cipriano foi feita em tradução livre oriunda do site KJV Today, acesse clicando aqui.

4.Cf. HERMAS, In: Padres Apostólicos. Tr. Ivo Storniolo, Euclides M. Balacin. São Paulo: Paulus, 2014.p.197

5. Cf. HILLS, Edward. The King James Version Defended. Des Moines: CRP, 1984.p.201

6. Uma excelente documentação das evidências patrísticas que apoiam Atos 8:37 é feita em artigo de James Snapp, que o leitor pode conferir fazendo o download aqui.

Tradução Bíblica em foco: Nova Versão Transformadora

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Em 2016, foi lançada no Brasil a Nova Versão Transformadora (NVT), versão bíblica publicada pela Mundo Cristão e que contou com uma extensiva campanha de marketing (algo comum em lançamentos de novas versões bíblicas), foi recebida com vários elogios, em especial pela facilidade na leitura e o aparato técnico de sua produção, que contou com a participação do já falecido irmão Carlos Osvaldo Pinto, Mauricio Zágari, Estevan F. Kirschner, entre outros.

A NVT contou com a forte “concorrência” (um termo infeliz quando para expressa a legítima venda de bíblias) da Nova Almeida Atualizada (NAA), que aparentemente vem ganhando mais circulação entre os leitores da Bíblia. Todavia, a NVT continua a ser publicada pela Mundo Cristão e vem ganhando um espaço com determinado número de leitores.

Neste artigo, buscarei fazer uma breve análise desta versão, verificando suas principais características que a distinguem como tradução/versão bíblica.

a) O Texto Grego da NVT.

A NVT na verdade é uma contraparte brasileira da New Living Translation (NLT), publicação de certo sucesso nos Estados Unidos e que, assim como sua contraparte americana, é baseada no Texto  Crítico do Novo Testamento, a partir das edições do Greek New Testament, da United Bible Societies (UBS) (4° edição) e o Novum Testamentum Graece, editado por Nestle & Aland (NA -27° edição) ainda que no prefácio da edição, os editores afirmem que os tradutores escolheram “diferir dos textos gregos da  UBS e da NA nos casos em que fortes evidências textuais ou outras evidências acadêmicas corroboravam  sua decisão, seguindo variações que se encontravam em outras testemunhas antigas” (Introdução à Nova Versão Transformadora). Essencialmente a NVT é uma tradução baseada no Texto Crítico do Novo Testamento.

b) O Método de Tradução Empregado.

Segundo a Introdução à NVT, os tradutores  afirmam que  “no trabalho de tradução buscou-se deliberadamente oferecer um texto que pudesse ser entendido por um leitor típico da língua portuguesa contemporânea” e também “respeitando a natureza do contexto antigo e, ao mesmo tempo, procurando tornar a tradução mais clara para o público atual, muitas vezes onde a tradução tradicional traz “homem” como sinônimo de espécie humana, optamos por “seres humanos” ou “humanidade”, dentre outras escolhas”. É informado na introdução que termos teológicos já consagrados como “justificação” e “santificação” serem substituídos por “declarar justo” e “tornar santos” alegando que muitos leitores  teriam “dificuldade de compreender”.

Tendo exposto as duas características principais da NVT, cabe agora ressaltar qualidades e problemas encontrados.

Pontos positivos.

A NVT possui como característica fundamental ser uma tradução que prima por uma linguagem simplificada  e de fácil leitura, permitindo a fluência do texto bíblico de forma mais natural. Nesse quesito a NVT acerta em diversos momentos e, ainda que adote basicamente o princípio da Equivalência Dinâmica, consegue ser mais idiomaticamente fiel que traduções de viés semelhante como a Nova Tradução na Linguagem de Hoje, A Bíblia Viva ou A Mensagem, bem como mais literal em vários momentos.

Problemas com a NVT.

A despeito das qualidades encontradas, a NVT possui alguns problemas que precisam ser levados em consideração antes de se adquirir uma NVT como tradução padrão para estudos, pregação ou mesmo leitura devocional.

a). Problemas de Tradução.

Aquilo que é um de seus maiores triunfos constitui também o calcanhar de Aquiles de NVT. Na ênfase de facilitar a leitura bíblica, a NVT acaba sacrificando a precisão e alguns momentos a própria teologia e doutrina bíblica. Um dos grandes problemas na NVT, herdada da NLT se dá na questão do uso dos substantivos masculino e feminino. Nos Estados Unidos, a polêmica com traduções chamadas de gender neutral translations (traduções com neutralidade de gênero) é ainda maior, sendo que vários teólogos e pastores conservadores são contra a adoção deste tipo de tradução para uso na igreja[1]. Casos como esse são repetidos na NVT nas ocasiões onde a palavra “homem” é comumente traduzida como “humanidade”. Ainda que a Palavra “homem” (Hb. adam; gr.  anthropos) tenha por vezes o sentido de “humanidade” e englobe ambos os sexos, tanto o “homem/macho” (Hb. ish, gr. andros) quanto a “mulher/fêmea” (Hb. ishah, gr. guine), traduzir “homem” por “pessoas” ou “seres humanos” em todos os casos acaba por omitir um significado teológico importante. Vejamos, por exemplo, alguns trechos do livro de Gênesis na NVT, comparando-as com o texto hebraico e uma tradução literal tradicional (Almeida Revista e Corrigida – ARC).

Gn 1.26:

  • אמר אלהים נעשׂה אדם בצלמ

  • E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem. (ARC)
  • Então disse Deus: “façamos o ser humano à nossa imagem…”(NVT)

Em 1 Timóteo 1:12 o apóstolo Paulo fala que Adão(אדם/αδαμ i.e.”homem”) foi criado, para depois Eva. Em Gênesis 1.26 temos o relato a criação do primeiro homem (hb. ish, macho) e da mulher (hb. ishah, mulher) escrito de forma resumida,  algo comprovado pelo versículo subsequente (vers. 27). Todavia, a palavra adam pode ser utilizada exclusivamente para “homem” como indivíduo distinto da mulher (Gn 2.25), portanto Adão não expressa somente um conceito de “raça humana”, mas  o primeiro homem recebe este nome como nome próprio, algo obliterado na NVT. Ainda mais surpreendente é a tradução da NVT em Gênesis 5:2, quando fazemos a comparação com o texto hebraico e a ARC como tradução de equivalência literal:

  • זכר ונקבה בראם ויברך אתם ויקרא את־שׁמם אדם ביום הבראם׃

  • Homem e mulher os criou; e os abençoou e chamou o seu nome Adão, no dia em que foram criados. (ARC)
  • Criou-os homem e mulher; quando foram criados, Deus os abençoou e os chamou de “humanidade”. (NVT).

O verso acima é de rica doutrina e e informação para uma antropologia teológica: Ainda que o homem e a mulher são essencialmente iguais e criados à imagem e semelhança de Deus, o fato de Deus dar o nome de adam para Adão e Eva evidencia as diferenças de papéis que ambos exercem na criação, apontando Adão como o “cabeça” que representa a raça humana. Acerca disso, o teólogo Wayne Grudem afirma: “o fato de Deus não ter decidido chamar a raça humana de ‘mulher’, mas de ‘homem’, provavelmente traz alguma relevância para a compreensão do plano original de Deus para homens e mulheres”[2]. Mais a frente, Grudem afirma que “a denominação de da raça humana com um termo que re referia  a Adão em particular, ou ao homem em distinção da mulher, sugere o papel de liderança do homem”[3].

No Novo Testamento, tais ocorrências também estão presentes. Um caso interessante ocorre Em 1 Coríntios 16.13, onde  Paulo encoraja a igreja em Corinto utilizando utilizando uma característica distintamente masculina, como o texto  grego aponta claramente:

  • γρηγορειτε στηκετε εν τη πιστει ανδριζεσθε κραταιουσθε .(TR)

Essa passagem costuma ser traduzida de maneira literal nas Bíblias que usam o método de tradução da equivalência formal, como mais comumente conhecida na versão de Almeida Corrigida:

  • Vigiai, estai firmes na fé; portai-vos varonilmente, e fortalecei-vos. (ARC).

A King James Fiel traduz bem a passagem:

  • “Vigiai, estai firmes na fé, portai-vos como homens,e sede fortes” (BKJ-Fiel)

A Tradução Ecumênica da Bíblia ainda é mais precisa:

  • Vigiai! Sede firmes na fé! Sede homens! Sede fortes!” (TEB)

NVT, ao traduzir o verso, praticamente omite a característica em favor de uma expressão mais neutra:

  • Estejam vigilantes. Permaneçam firmes na fé. Sejam corajosos. Sejam fortes (NVT)

Neste caso, bem  Pode-se argumentar aqui substituição da palavra “homens”(Gr. andros) por “corajosos” seja justificada, pois Paulo aqui se dirige a toda a igreja em Corinto. De fato, essa tradução se ajusta muito bem com aquilo que Paulo está dizendo, todavia,  Paulo estava se dirigindo igualmente aos representantes da igreja em Corinto e trata da questões dos auxiliares na obra (vrs 15-17), seu encorajamento, que tem certas características semíticas (Cf. 2 Sm 2.12) pode muito estar tendo  os homens da igreja em mente.

Ao adotar a mesma posição de sua contraparte americana, a NVT acaba por estar sujeita as mesmas críticas que a NLT e outras versões receberam, por sacrificarem uma boa tradução em favor de expressões neutras que mais se alinham com ideologias feministas do que com a doutrina bíblica, algo que muito a prejudica como tradução digna de confiança.

Outro problema da NVT é a busca por querer clarificar demais expressões teológicas já consagradas no meio comum da igreja em favor de uma suposta “melhor compreensão” do leitor iniciante. Ao traduzir o termo “justificação” por “declarar justo”, a NVT acaba por dar explicar o  significado ( de maneira correta, no meu entendimento)  do texto ao invés de simplesmente traduzi-lo como se apresenta, algo apropriado mais a comentários exegéticos do que uma obra de tradução. Outros termos teológicos, como “santificação”, são termos tão conhecidos e de fácil entendimento para o leitor comum que tentar facilitá-los é uma atitude pueril.

b) O texto grego adotado.

Como falado anteriormente, a NVT adota como padrão as edições críticas do Texto Grego do Novo Testamento, raramente se desviando delas nas leituras variantes. Esse fato por si só já traz dificuldades para se adotar a NVT como versão padrão, haja vista os pressupostos naturalistas, os problemas manuscritológicos e os erros teológicos que estão presentes nos manuscritos que compõem as edições da UBS e NA e que já foram tratados em outros artigos disponíveis neste blog. Portanto, pode-se esperar omissões no texto bíblico e várias notas de rodapé.

Conclusão.

Diante do exposto, pode-se dizer que a NVT possui como qualidade a sua busca por um português fluente sem todavia ir em direção ao extremo do método de equivalência dinâmica, com isso, ela se afasta de versões como a Nova Tradução na Linguagem de Hoje e A Bíblia Viva, sendo uma boa substituta para estas por apresentar um texto mais próximo ao original, sendo indicada assim como leitura comparativa na preparação de sermões e de estudo Bíblico e em alguns momentos devocionais. Um dos grandes problemas, entretanto, é que traduções que seguem este tipo de metodologia e possuem copyright em voga, sempre correm o risco de sofrer futuras modificações, quer por pressão de estudiosos que apresentam supostas “novas descobertas” revolucionárias para o texto bíblico, que por motivo do português não ser mais “tão contemporâneo”, o que força uma descontinuidade entre gerações de crentes que usam por vezes a mesma versão com ano de publicação diferente![4]

O uso do gênero neutro em diversas instâncias e por vezes em textos cruciais, juntamente com um texto grego não confiável, fazem com que a NVT não deva ser adotada como versão padrão para uso na igreja, nem tampouco para pregação. Versões mais literais e tradicionais, como  a Almeida Corrigida e Fiel, já apresentam um português atualizado e se baseiam em um bom texto grego, continuam a possuir mais apego junto a igreja em geral. Apego esse que, diante dos fatos expostos, torna-se plenamente justificável.

Soli Deo Gloria

Notas:

1. Dentre os teólogos conservadores da atualidade que combatem a neutralidade de gênero na tradução bíblica, um que merece destaque é Wayne Grudem. Seu livreto What’s wrong with Neuter-Gender Translaions? É uma crítica firme e biblicamente bem fundamentada acerca desta questão. Para ler o livreto de Grudem, clique aqui.

2. GRUDEM.Wayne: Teologia Sistemática. Tr. Norio Yakami, Lucy Yakami, Luiz A.T. Sayão, Eduardo Perereira e Ferreira. São Paulo:Vida Nova. 1999, p.362.

3. Op. cit, p. 380.

4. Em certo debate na rede social Facebook, Mauricio Zágari, um dos editores responsáveis pela produção da NVT, criticou meu argumento acerca do lapso entre gerações que existe. Segundo Zágari “Uma tradução bíblica demorar décadas para ser atualizada a fim de que os leitores tenham uma melhor compreensão para mim não é virtude alguma; na verdade, me parece uma lástima, pois muitos leitores que poderiam estar compreendendo o que leem não estão. Isso não é uma moda, é uma necessidade”. Bem, meu argumento continua o mesmo pelo simples fato que, a despeito de várias mudanças significativas, o português escrito em 1969 é praticamente o mesmo escrito hoje. Traduções literais são mais duráveis e resistem à atualização frequente pelo fato da própria tradução se render não ao contexto contemporâneo, mas ao Bíblico, pode-se se aproximar ainda mais ao estilo do próprio autor bíblico. Em termos de atualização da linguagem, traduções como a Almeida Fiel e ainda mais a Almeida Contemporânea praticamente não possuem arcaísmos.

Norman Geisler (1932-2019): defensor da Fé.

Os crentes brasileiros receberam uma triste notícia hoje  pela manhã: Morreu, após um forte derrame cerebral, o apologista, filósofo e teólogo evangélico Norman Geisler. Geisler foi um dos grandes apologetas do século XX e firme defensor da inspiração e inerrância bíblica e do método gramático-histórico de interpretação bíblica, tendo sido inclusive o presidente do International Council on Biblical Inerrancy (Concílio Internacional de Inerrância Bíblica), que reuniu teólogos e pastores de várias denominações em defesa da autoridade das Escrituras, dentre os quais R. C. Sproul e J. I Packer. O concílio resultou na publicação da Declaração de Chicago sobre inerrância Bíblica, um dos maiores documentos em defesa da Bíblia no século XX. Autor e editor de mais de 100 livros, sendo diversos deles publicados no Brasil, Geisler destacou-se com temas como Apologética clássica, predestinação e Livre-arbítrio e inspiração bílica. Se tornou famosa a expressão que Geisler era uma ponte entre Tomás de Aquino (seu teólogo preferido) e Billy Graham.

Nesses últimos anos, Geisler destacou-se em sua batalha contra novas nuances da teologia liberal que estavam influenciando cada vez mais a academia evangélica, inclusive em maior escala através de escritos de teólogos famosos como Mike Licona, Peter Enns, Craig Blomberg e John H. Walton. Seu livro The Jesus Quest: the danger from within, em parceria com F. David Farnell,  causou certo rebuliço quando foi publicado de maneira independente pela Xilon Press e criticou várias personalidades e celebridades da academia evangélica americana. Em parceria com Farnell, Geisler lançou o site Defending Inerrancy, na qual tratava dos desafios contemporâneos levantados contra a doutrina da Inerrância.

Ainda que eu discorde de certos pontos de sua teologia, como por exemplo no que tange algumas incoerências na apresentação do doutrina calvinista e em sua adesão ao Texto Crítico do Novo Testamento, Geisler influenciou profundamente muitos aspectos dos meus estudos teológicos, em especial  área da Bibliologia e Apologética Clássica . Em The Jesus Quest e Vital Issues in The Inerrancy Debate,  ele dedicou-se a combater as novas formas de liberalismo dentro da igreja, que lidam justamente com Hermenêutica bíblica, problema que assola certos setores assembleianos da atualidade. Dentre os livros do Geisler que recomendo se encontram A Inerrância da Bíblia, Enciclopédia de Apologética, Ética Cristã, Introdução Bíblica e sua Teologia Sistemática. Vou sentir saudade, mas que bom que ele deixou um legado fantástico com seus escritos e preparou uma nova geração contra as teologias liberais da atualidade. Agora, ele terminou a corrida. Agora, ele está em casa.

Porque para mim, o Viver é Cristo, o morrer é lucro” (Fp 1:21).

Soli Deo Gloria

Paulo Anglada (1954-2019): Um Gigante da fé cristã.

Ontem foi um dia triste para a Igreja evangélica / reformada brasileira. Paulo

3090245
RevrendoPaulo Anglada e sua esposa, Layse.

Anglada, um grande pregador e teólogo exegético, foi para a presença de seu amado Senhor. Anglada era conhecida por sua piedade, hermenêutica e por sua firme defesa do texto bizantino.

Apesar de ser mais conhecido por suas obras de pregação e hermenêutica reformada, o pastor Paulo também se destacou em outras áreas do estudo da bibliologia, sendo que em 1998, lançou seu livro  sobre o assunto: “Sola Scriptura: A doutrina Reformada das Escrituras” (Puritanos/ Knox Publicações). Alguns anos antes, publicou Evangelho de Mateus do Texto de Scrivener com as variantes dos textos gregos de Hodges-Farstad, Robinson-Pierpont e Nestle-Aland/Ubs. Foi um dos responsáveis ​​pela publicação do Texto Majoritpário de Hodges-Farstad da editora oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil, a Cultura Cristã.
Anglada foi um dos poucos estudiosos brasileiros a não apoiar o Texto Crítico e promover o texto bizantino Bizantino. Sua influência em questões textuais causou um bom efeito em mim e me ajudou na defesa do Texto Tradicional. Anglada não gostava do termo “Crítica Textual” na análise de manuscritos bíblicos. “A Palavra de Deus é acima de tudo crítica”, então devemos usar a expressão “Manuscritologia Bíblica”, que serviu de base para o seu único (e importante) livro sobre crítica textal do Novo Testamento (para ler a resenha do livro, clique aqui). Esta  é a expressão que eu  uso na lígua portuguesa quando trato de questões envolvendo o texto bíblico, e está presente no blog Scripum Est. A pessoa do irmão Anglada deixará grandes saudades. Tristeza para nós, mas festa no céu.
Até, pastor Anglada! E um muito obrigado, do fundo do coração.
Soli Deo gloria.

Tradução bíblica em foco: Bíblia King James Fiel – 1611

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O ano de 2018 foi marcado pela popularidade de  novas traduções, como a Nova Bíblia Viva (Mundo Cristão),  a Nova Versão Transformadora (NVT -Mundo Cristão) e a Bíblia King James Fiel-1611(BV Books), alavancadas pelas publicações de Bíblias de estudo como a Bíblia de Estudo NVT, a Bíblia de Estudos e sermões de Charles Spurgeon e a Bíblia de Estudo Holman  . Dessas traduções, o foco será na versão brasileira da célebre King James Version, também conhecida como Versão do Rei Tiago, Versão do Rei James e agora, Bíblia King James.

A versão King James Fiel 1611 – O Início:

Em 2011, milhares de publicações de língua inglesa comemoraram o aniversário de 400 anos de publicação da Authorised Version (versão Autorizada, termo que será utilizado para não se confundir com a contraparte brasileira), mais popularmente conhecida fora da Inglaterra como King James Version, a mais célebre tradução em língua inglesa já publicada, usada até hoje por boa parte dos cristãos de fala inglesa.

Aproveitando a maré de popularidade, a editora BV books lançou dois livros  celebrando o feito literário da Versão Autorizada, além da lançar em português a Bíblia King James, que em termos técnicos, seria a tradução bíblica inglesa vertida para o português. Após esse lançamento muito badalado, as expectativas foram um tanto frustrantes ao se constatar que na verdade, a Bíblia King James não era simplesmente uma adaptação da Authorised Version para a língua portuguesa, mas uma tradução baseada no Texto Crítico do Novo Testamento, texto esse que diferia grandemente dos textos utilizados pelos tradutores ingleses da versão inglesa original. O resultado foi que não se tinha verdadeiramente uma versão brasileira da Authorised Version. Todavia, esse quadro logo mudaria. A Bíblia King James passou a ser chamada de King James Atualizada, e logo passou a ser produzida uma autêntica versão brasileira da King James¹.

Em 2015, a Bíblia King James finalmente achou sua contraparte brasileira, e em 2017 foi publicada a 1° edição autorizada pela BV Books, a King James Fiel – 1611. Uma Bíblia que procura ser realmente uma contraparte autêntica e, como o próprio nome já diz, Fiel da versão em língua inglesa². Passemos a  analisar mais a fundo as características da Bíblia King James fiel . A edição utilizada para a resenha é a BKJ Fiel – Edição com Letra Grande.

Bíblia King James Fiel – análise.

Logo de início, uma das coisas que chama atenção é a capa da edição em letra grande. Emborrachada, a capa possui o mesmo frontispício da versão original de 1611, uma belíssima gravura onde se encontra Moisés, os apóstolos, O nome de Deus (Tetragrama0 em hebraico, o símbolos que representam o Espírito Santo e Senhor Jesus Cristo (respectivamente, a Pomba e o Cordeiro), assim como os animais que representam os apóstolos.

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Bíblia busca repetir o frontispício original da Authorised Version

 

O conteúdo em si é destituído de recursos extras. Há apenas o título do livro Bíblico e o texto dividido em versículos. Há a ausência de concordância, palavras-chave, mapas, dicionário, ou algum outro tipo de referência. O papel, por sua vez, é extremamente fino, assim como a fonte utilizada para a letra, o que por sua vez prejudica a leitura pois a tinta da página seguinte ganha muito destaque devido à finura do papel.

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O livro de Josué na BKJ Fiel – Letra legível, mas papel extremamente fino, o que faz com a tinta das páginas seguintes se sobressaiam em demasia.

A tradução em si procura exprimir a fluidez da versão inglesa em língua portuguesa, e faz isso de maneira  competente, ainda que seja praticamente impossível transmitir toda a sonoridade do inglês jacobino da época da King James para língua portuguesa, que possui uma raiz bastante diferente. Um ponto a favor é que excelentes traduções existentes na King James estão presentes na versão em português, ainda que algumas partes apresentem certos problemas, como por exemplo, em Gênesis 1.10. A BKJ apresenta a seguinte tradução:

“E chamou Deus à terra seca Terra; e ao ajuntamento das águas ele chamou, mares. E Deus viu que isto era bom”

Neste versículo, a primeira menção à terra está corretamente posta em itálico na BKJ, haja vista que a palavra não está no texto original em hebraico. O problema é que o tradutor optou por traduzir a palavra “land”, em itálico na Authorised Version como “terra”, o que gera uma redundância em Português, pois logo a seguir a palavra terra aparece novamente, sendo que Authorised Version ela se traduz como “Earth”, também traduzida como “terra” em português.

Ainda que usadas na maioria das vezes como sinônimos na língua inglesa, as palavras “land” e “earth” apresentam certas distinções importantes. O Longman dictionary of Contemporary English define o primeiro uso de “land” como   “a parte sólida da superfície da terra” e acrescenta que “land” pode ser usada como  “A superfície do mundo, quando comparada com o mar é chamada land, mas quando comparada com o o céu ou o espaço é chamada de earth ou the Earth“. A segunda definição casa em muito com uso de “land” na Authorised Version, pois combina com a descrição da porção seca (como traduzido na Bíblia de Almeida) em comparação com o mar. Para evitar uma redundância, penso que essa tradução seria aceitável:

E chamou Deus à superfície seca Terra; e ao ajuntamento das águas ele chamou, Mares. E Deus viu que isto era bom.

Um outro problema que encontrei foi em 2 Crônicas 22.2. Enquanto que o Texto Massorético Hebraico (assim como a Authorised Version) afirma que Acazias tinha “quarenta e dois anos quando começou a reinar”, a King James Fiel opta por seguir as traduções modernas que adotam a leitura encontrada na Septuaginta e outras traduções antigas do Antigo testamento, que estão de acordo com com 2 Reis 8.26, afirmando que Acazias tinha “22 anos de idade quando começou a reinar”. Ao adotar essa leitura em 2 Crônicas 22.2, se presume que  texto hebraico tenha sido maculado por um erro de copista, erro esse inexistente nas traduções antigas, como a Septuaginta. Tal problemática exige uma análise extensa que não tem como ser bem expressa nesta resenha, sendo que será exposta em outro artigo. O que chama a atenção aqui, todavia, é o desvio feito na BKJ fiel, que não segue aqui, sua contraparte inglesa.

No fim, podemos fechar esta análise com algumas considerações:

Pontos positivos:

Uma tradução adicional baseada no Textus Receptus: Em um mercado saturado de versões baseadas no Texto Crítico, a BKJ Fiel é um importante acréscimo de uma versão baseada no Texto Original usado na época da Reforma Protestante e até hoje utilizado pela Igreja ortodoxa Oriental.  A BKJ se junta à Almeida Corrigida, Corrigida fiel e Corrigida/Casa paulista como uma versão em português baseada em uma boa edição do Texto Grego original.

Bons Insights oriundos da Versão Inglesa: Um outro ponto importante é qualidades intrísecas da Tradução da AV estão presentes na versão em português, o que muito auxilia na compreensão do texto Bíblico. Detalhes e pérolas não perceptíveis nas traduções em português se tornam bem explícitos na BKJ.

-Pontos Negativos

Tradução de uma tradução: Ainda que pese consideravelmente os bons insights da bíblia inglês, o fato é que a BKJ não é uma tradução vinda diretamente do Texto Original em Hebraico/Grego, mas uma tradução/adaptação em português de outra tradução existente. Ainda que tal elemento não possa desmerecer por si só uma versão bíblica, certamente isso acaba por enfraquecer alguns aspectos da versão, sem contar as dificuldades existentes na hora de verter a estrutura inglesa para o português. A BKJ, ainda que de excelente qualidade, não possui necessariamente nenhuma superiodade considerável sobre a Bíblia de Almeida, podemos dizer também que a Bíblia de Almeida em nada perde em qualidade para a BKJ.

Preço elevado: Para uma edição carente de recursos extras, o preço de uma edição com letra grande da BKJ é por demais elevado. Em uma livraria comum, o preço está na faixa de R$ 100,00. Preço pouco atrativo para um cristão com renda apertada.

Conclusão:

Apesar de apresentar alguns problemas de tradução e não superar a Bíblia de Almeida em muitos aspectos, a Bíblia King James Fiel – 1611 é uma versão que deve ser saudada por evangélicos. Se baseia em um trabalho de grande esmero da época pós-reforma, provém de um Texto Hebraico e Grego Fiel e apresenta bons insights  do texto bíblico. Que possa permanecer como uma fiel tradução bíblica e de grande apreço por pregadores, teólogos e leitores dedicados das Sagradas letras.

Soli Deo Gloria

 

Notas:

  1. Atualmente, a Bíblia King James Atualizada é publicada unicamente com o selo da Sociedade Bíblica Ibero-Americana em parceria com a Abba Press, ambas as instituições estão envolvidas com a produção da KJA desde o início de sua publicação em 2011, na época, com o selo da BV Books. Para acessar o site oficial da Bíblia  KJA, clique aqui.
  2. Para acessar o site da BKJ – Fiel, clique aqui.

Texto (natalino) em foco: Mateus 2.11

3WiseMen smPara os crentes em Cristo, o natal sem dúvida é uma data especial. Muitas igrejas protestantes e evangélicas celebram o “advento”, a encarnação do Verbo de Deus. Não é a à toa que há muitas luzes no natal, sendo que podemos dizer que naquela noite, possivelmente mesmo não havendo muitas estrelas, a Luz do mundo veio e “tabernaculou entre nós” (Jo  1.14).

O episódio dos magos (ou “sábios”) é um dos mais queridos e lembrados nesta época. De maneira interessante, vemos que há uma leve discrepância, que encontramos nas bíblias baseadas no Textus Receptus, como é o caso da passagem de Mateus 2.11. Façamos a comparação entre  duas versões bíblicas baseadas no texto tradicional:

“E, entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe,e, prostando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, lhe ofertaram dádivas: ouro, incenso e mirra” (ARC).

“E, entrando na casa, eles viram o menino com Maria sua mãe e, prostando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra” (BKJ Fiel – 1611).

Enquanto que a ARC diz “acharam”, a versão portuguesa da King James (em consonância com a versão inglesa) afirma que os magos “viram”. A diferença aqui não é meramente uma questão de tradução de uma mesma palavra grega, mas da tradução de uma variante nos manuscritos bíblicos, que envolve o Texto Bizantino, a Poliglota Complutense e o Textus Receptus.

A grande maioria dos manuscritos traz a palavra grega “eidon” (viram) em Mateus 2.11, enquanto que uma pequena minoria (cerca de 5%, segundo o texto grego de Mateus editado por Wilbur Pickering) traz “euron”(acharam). A variante minoritária é adotada por virtualmente todas as edições do Textus Receptus, com exceção da Poliglota complutense, do Textus Receptus de Scrivener e mais atualmente do Texto Patriarcal da Igreja Ortodoxa Grega, que adotam “eidon”. O Textus Receptus de Stephanus traz “eidon” como leitura alternativa na margem.

De maneira surpreendente, os tradutores da King James optaram por seguir “eidon” (viram), diferente de Tyndale, da Bíblia dos Bispos e da Bíblia de Genebra, que seguem o Textus Receptus(1).

Qual das variantes é a correta? Se formos seguir a maioria, “eidon” de longe é a preferida, ainda que “euron” também se enquadre perfeitamente no contexto do texto bíblico. Um ponto digno de nota é que “euron” está também presente na Vulgata latina (invenerunt), mostrando que a leitura atesta de boa antiguidade, ainda que seja minoritária em grego.

Esse é um típico caso onde deve se haver tanto liberdade e temor santo na escolha textual, aqui é onde as pequenas variantes do Textus Receptus aparecem. Ambas leituras se encaixam no contexto e nenhuma fere alguma doutrina cristã, ambas estão presentes na tradição do Textus Receptus, ainda que “euron” seja a mais adotada. Se formos pesar a evidência estatística no grego, “eidon” vence de maneira substancial.

Seja como for, o sentido aqui é claro: Os magos já haviam visto a estrela que os conduzia a Cristo, o que trouxe a eles grande alegria. Todavia, não bastava encontrar uma evidência, um sinal, que apontasse para Cristo. Era necessário encontrarem o Salvador, e isso fizeram, quando entraram naquela casa, e viram o Deus-homem, quando o “viram”, também o “acharam”.

Que possamos seguir o mesmo exemplo destes homens. Que possamos relembrar do momento quando Deus nos chamou, quando nos conduziu pelas evidências, de maneira alegre  também entramos em um relacionamento com Cristo. que possamos nos alegrar por tê-lo visto e, ao vê-lo, o achado. Não há bem maior que possamos ter do que Jesus Cristo, o Messias. Que você possa, caso ainda não tenha conhecido a ele, também o possa ver e se regozijar n’Ele.

o blog Scritum Est deseja a todos os seus leitores um Feliz Natal!

Soli Deo Gloria.

Nota:

1.  A tradução de Reina-Valera também adota “eidon”. Isso talvez se dê pelo uso da Poliglota no trabalho de Casiodoro de Reina.

O Texto e o Tempo: Uma (re)visita a Edward Hills.

Já faz alguns meses desde que o livro clássico do crítico textual reformado Edward F.

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A obra clássica de Hills disponível em novo formato

Hills foi relançado digitalmente em língua inglesa: The King James Version Defended! foi um escrito que marcou o ressurgimento do interesse do texto grego do Novo Testamento da época da Reforma Protestante, o Textus Receptus (Também chamado de Texto Tradicional ou Texto Eclesiástico). Nesta obra Hills defende, dentro da perspectiva confessional reformada, a validade do tipo de texto Bizantino (que está presente na imensa massa de manuscritos do Novo Testamento), como representado no Textus Receptus e nas traduções feitas a partir dele na época da Reforma Protestante, como a de Lutero, Reina-Valera, King James e a de João F. de Almeida como o autêntico texto grego do Novo Testamento em forma impressa.

Durante todos esses anos, a obra de Hills (que faleceu em 1981) tem sido reimpressa por suas herdeiras, Anne Hills Brown e Mary Mueller, e tem atraído muitos reformados a defender o Texto Tradicional. O que poucos sabiam era história por trás da obra, até que  vídeos de palestras de Theodore P. Letis, discípulo luterano de Hills, foram relançados no youtube. Em um desses vídeos, intitulado Edward Free Hills: The Life and the legacy of a 20th century burgonian (Disponível aqui). Letis, juntamente com a viúva de Hills, relata a luta para que o livro fosse publicado pelas editoras evangélicas conservadoras da época. Mesmo sendo um crítico textual academicamente qualificado, Hills teve seu livro foi  rejeitado pelas editoras da época, incluindo a famosa Baker Book House, devido ao conteúdo firmado em sua convicção da preservação do Texto bíblico no decorrer das eras, algo totalmente contrário ao pensamento acadêmico da época (algo não muito diferente de hoje), recebendo, inclusive, forte oposição do célebre Bruce Metzger. Após constante rejeição por parte das editoras, Hills finalmente decidiu publicar a si mesmo através de sua editora caseira, a Christian Research Publications, lançando assim suas obras, sendo que entre as mais conhecidas estão The King James Version Defended e Believing Bible Study. Todavia, uma informação dada por Letis durante sua palestra chama a atenção. O título The King James Version Defended fora dado posteriormente, com um apelo mais popular.

Originalmente, The King James Version Defended se chamava Text and Time: a reformed approach to New Testament textual criticism (O Texto e o Tempo: Uma abordagem reformada à crítica textual do Novo Testamento). Tal título, nos dias de hoje é muito mais objetivo e coerente com o conteúdo do livro de Hills do que o título pelo qual é atualmente conhecido (ainda que eu aprecie bastante este último). Na época de Hills, não havia o movimento fundamentalista King James Only, movimento pelo qual ele fora associado indevidamente no decorrer dos anos.

Diante de tais fatos, tanto Anne quanto Mary republicaram no formato kindle o livro de Hills, dessa vez com o título original, capa personalizada,  texto revisado, novo prefácio e com preço bastante acessível. Certamente o relançamento de tal obra será de grande aproveitamento aos leitores.

A obra de Hills merece uma atenção especial, pois ele foi praticamente o único crítico textual a trabalhar com uma visão canônica do texto bíblico, alicerçado na apologética de seu mentor Cornelius Van Til, nas confissões protestantes reformadas e até mesmo na história da igreja. Portanto a obra de Hills merece ser vista e revista continuamente.

Parabenizo às irmãs Anne e Mary por tal iniciativa, e agradeço em especial à minha amada irmão em Cristo Anne por permitir a edição feita por mim em PDF, antes do lançamento em Kindle, que tem acesso gratuito neste site. O livro de Hills é referência obrigatória para os todos os cristãos, em especial daqueles que militam em favor da veracidade e inspiração divina da Bíblia. Boa Leitura!

Soli Deo Gloria!

Para baixar a obra com o título tradicional em inglês, vá na seção de Downloads).

Para adquirir uma cópia impressa dos livros de Hills, contacte a Christian Research press por e-mail: christianresearchpress@gmail.com.

Para adquirir a nova versão digital, clique aqui.

John Piper e as traduções da Bíblia.

Neste vídeo que lancei há quase dez anos, John Piper fala acerca das traduções que se utilizam do método de “Equivalência Dinâmica” de tradução da Bíblia, método esse que é utilizado na Nova Tradução da Linguagem de Hoje, Bíblia Viva e a Nova Versão Internacional e na Mensagem, famosa paráfrase do recém falecido eugene Peterson. A visão de Piper é clara sensata – ainda que eu discorde da defesa de Piper do Texto Crítico do Novo Testamento e da English Standard Version, ele acerta em cheio na questão do método de tradução bíblica. Vale a pena assistir!

Obs: A legenda está disponível em português, clique no ícone para ativá-la.

Texto em Foco: 1 Jo 2.23b

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Gravura bizantina do Apóstolo João.

Introdução

O Texto de 1 Jo 3.23 é um dos versos da Bíblia que contém uma riqueza teológica que desafia até mesmo a classificação. Nesse texto, o apóstolo João fala da identificação essencial daquele que serve a Deus e ao que não serve. O presente texto se encontra, na maioria das versões bíblicas, como se encontra na Corrigida Fiel:

“Qualquer que nega o Filho, também não tem o Pai; mas aquele que confessa o Filho, tem também o Pai”. (ACF)

Porém, quando analisamos mais a fundo esse versículo em outras traduções bíblicas e na própria tradução original de Almeida, notamos  algo intrigante:
Whosoever denieth the Son, the same hath not the Father [but]: he that acknowledgeth the Son hath the Father also.” (King James Version).
Whosoever denieth the Son, the same hath not the Father.” (Geneva)
“Qualquer que néga a o Filho, tam pouco tem a o Pae” (Almeida 1681)
Como é possível notar,a “parte b” do versículo 23 se encontra em itálico na King James Version e não se encontra na Bíblia de Genebra e nem na tradução original de Almeida de 1681. Todavia, essa leitura é encontrada em todas as traduções para o português, assim como em todas as traduções modernas em língua inglesa. A razão para tal discrepância se dá no campo da manuscritologia e da crítica textual do Novo Testamento.

1 João 2.23 e os manuscritos:

Dos  517 manuscritos gregos atualmente preservados de 1 João, apenas 70 possuem o capítulo 2 com o versículo 23. Dos 70 manuscritos, apenas 20% possuem a segunda parte do versículo. Dado tal estatística, a cláusula “aquele que confessa o Filho, tem também o Pai” é omitida nas edições do Texto Majoritário de Hodges-Farstad, Robinson-Pierpont e William Pickering, assim também está ausente nas Edições de Erasmo e Stephanus do Textus Receptus, estando presente, contudo, na edição de Theodore Beza de 1598. A King James seguiu a Bíblia dos Bispos, preservando o texto em itálico.
Uma das razões para o texto ter encontrado apoio (ainda que pequeno) nas traduções da King James e nas revisões de Almeida se deu pelo fato da segunda parte do verso está presente na Vulgata latina e nos dois mais antigos manuscritos da Bíblia, Álef e Vaticanus, sendo assim, virtualmente todas as traduções modernas que seguem o Texto Crítico (que se baseia nesses dois manuscritos) darem apoio total a “parte b” do versículo como autêntica. A edição Westminster Reference da  King James, publicada pela Trinitarian Bible Society, aparentemente removeu os itálicos presentes nas edições-padrão da King James.

Tal cláusula, ainda que ausente na maioria dos manuscritos gregos, mas que conta com o apoio de manuscritos antigos e da própria Vulgata latina, conta também com outros elementos a seu favor, como a estrutura interna e a própria linguagem da teologia bíblica presente no apóstolo João. Sendo isso que iremos no concentrar a seguir.

1 Jo 2.23b: análise exegética

Em sua edição do Texto Grego majoritário, Wilbur Pickering comenta acerca da segunda parte de 1 João 2.23b:
“João está definindo que negar tanto o Pai ou o Filho é negar ambos.  – a adição [vrs. 23b] é desnecessária,  sendo até mesmo inconveniente” (PICKERING, p. 23)
A afirmação de Pickering é pungente, mas teológica e exegeticamente superficial. O fato é que a declaração do versículo 23b se enquadra perfeitamente no estilo literário de João. É comum ao apóstolo fazer declarações teológicas usando as técnicas do paralelismo judaico, encontrado particularmente nos livros poéticos da Bíblia.  Segundo Stanley Ellisen,  a “poesia hebraica enfatiza mais o ‘ritmo da ideia’ do que o ‘ritmo do som’, pois a mente oriental está mais interessada no conteúdo da ideia do que nos meros artifícios literários”.  sendo que João usa estrutura de paralelismo sinonímico (a segunda linha do dito repete ou reproduz a primeira em palavra semelhantes), antitético (A segunda linha de um dito expressa uma ideia oposta  à da primeira, gerando um contraste) e até mesmo sintético (a segunda linha completa ou amplifica a primeira) em várias de suas declarações teológicas. Em 1 João, podemos encontrar alguns desses paralelismos, como vemos abaixo:
Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós
Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça
Se dissermos que não pecamos, fazemo-lo mentiroso, e sua palavra não está em nós” (1 Jo 1.8-10/ paralelismo sinonímico)
Aquele que diz que está na luz e odeia a seu irmão até agora está em trevas
Aquele que ama seu irmão está na luz, e nele não há escândalo” (1 Jo 2.9-10/ Paralelismo antitético).
No caso de 1 Jo 2.23b, o que teríamos aqui seria um tipo paralelismo antitético, pois através de duas declarações contrastantes, João enfatiza a mesma verdade:
“Qualquer que nega o Filho, também não tem o Pai;
mas aquele que confessa o Filho, tem também o Pai
Tais tipos de expressões contrastantes são comuns no evangelho de João, como vemos nas expressões que o apóstolo usa no quarto evangelho como “de cima/ de baixo”, “luz/trevas”, “céu/terra”, “vida/morte”, entre outros. Teológica e literariamente, a segunda parte do versículo 23 se encaixaria naturalmente em uma declaração que saísse da pena do próprio apóstolo João, é o tipo de declaração que João naturalmente poderia escrever.

1 João 2.23b – um texto legítimo.

O texto de 1 João 2.23b é um daqueles textos que se encontram dentro da análise  textual, mesmo para aqueles que defendem uma visão protestante clássica acerca da preservação do Texto do Novo Testamento e defendem o Textus Receptus sabem das problemáticas envolvendo essa pequena parte de 1 João. O fato de ele não estar presente na maioria dos manuscritos gregos, edições do Textus Receptus e até mesmo em várias traduções bíblicas clássicas pode ser uma razão para a sua exclusão. Todavia, o fato da leitura estar presente em alguns manuscritos gregos (incluindo o mais antigos), na Vulgata Latina e também estar em total acordo com a linguagem teológica e estilo literário de João, além de sua constante presente na história do texto bíblico, incluindo sua inclusão, é um forte indício da providência de Deus em manter esse texto preservado e em constante leitura pela igreja.

A leitura de 1 João 2.23b, portanto, no ver deste autor, é um texto legítimo, fiel ao restante da epístola, ao estilo teológico-linguístico do apóstolo João e se manteve persistentemente como texto da Palavra. Deve ser, portanto, mantido, lido e memorizado em nossos cultos solenes. Fez-se muito bem de acrescentar esse texto nas revisões do belo trabalho de João Ferreira de Almeida.

Amém!
Soli Deo Gloria

Obras Consultadas:

ELLISEN, Stanley. Conheça Melhor o Antigo Testamento. Tr. Emma Anders de Lima. 2° Ed. São Paulo: Vida, 2007.
HILLS, Edward F. The King James Version Defended. 4° Ed. Des  Moines: Chistian Research Press, 1984.
PICKERING, Wilbur.  The Greek New Testament According to Family 35.Pickering Publications, 2015.